segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O Poder das Palavras


Ilustração de Lewis Carrol para Alice no País das Maravilhas


Dar nome aos Sentimentos

Li em algum lugar que é importante dar nome aos sentimentos para lidar melhor com eles. Não me lembro onde foi, para dar os devidos créditos. A autora propunha que fizéssemos um diário, e deu um link para um site que publica uma lista enorme de sentimentos e sensações corporais ligadas a eles (https://www.hoffmaninstitute.org/wp-content/uploads/Practices-FeelingsSensations.pdf). Não cheguei a fazer esse exercício, mas gostei da ideia e adotei o hábito de procurar um nome específico para sentimentos, sensações, e até para certas esquisitices, que eu achava que eram só minhas e acabei descobrindo que são bastante comuns. 


Narcolepsia

De vez em quando eu acordava no meio da noite completamente paralisada. Às vezes achava que estava morta e ficava esperando encontrarem o meu corpo pela manhã, outras vezes fazia tanta força para sair desse estado que parecia que uma parte de mim se separava do corpo, confirmando a impressão de que estava morta. Muitas vezes esse estado vinha acompanhado de alucinações, sempre apavorantes. Um dia conversei com os meus irmãos sobre isso, e descobrimos que todos tínhamos esse problema de vez em quando. Um dos irmãos chegou consultar um neurologista, que deu nome ao fenômeno: narcolepsia. Por um lado foi tranquilizador saber que o problema é comum e em geral benigno, mas por outro lado, só por falarmos nisso, causamos uma "epidemia" de paralisia noturna entre os irmãos. Falar no assunto, e até ver documentários ou ler sobre isso costuma causar ataques. Há muitos anos que não tenho nenhum, espero não provocar um ao escrever sobre isso.


Macropsia e Tripofobia

Outras doidices que eu achava que só eu tinha e descobri que também têm nome, são macropsia e tripofobia. Macropsia é a sensação de que as mãos ou alguma parte do corpo ficam desproporcionalmente grandes. Eu costumo ter essa impressão quando estou muito ansiosa, e soube que é comum crianças com febre terem essas sensações. Saber que isso tem nome também me ajudou a controlar esses ataques de ansiedade. Já saber o que é tripofobia, não me ajudou muito. Continuo tendo nojo de buracos agrupados, até em lugares inesperados como calotas ou lanternas de carros. Mesmo assim é tranquilizador saber que muita gente tem esse mesmo problema, não é nada especial.


Síndrome do Impostor

E não é que eu sofro dessa síndrome desde a mais tenra infância? Sempre tive medo de ser "descoberta", desde as travessuras infantis, até a minha performance nos estudos, do primário à pós-graduação. Foi muito tranquilizador para mim saber que milhões de pessoas sofrem desse mal, e que ele até tem nome. Continuo me considerando uma impostora, mas pelo menos aprendi a me perdoar e a lidar melhor com isso.


Escrever os Sonhos

Eu tenho a compulsão de contar o que sonhei durante a noite à primeira pessoa que eu encontro de manhã. Ainda não descobri qual é o nome disso, mas deve haver um. Como em geral essa pessoa é o meu marido, eu reconheço que estava ficando chato, porque os meus sonhos não são tão interessantes assim. Alguém sugeriu que eu os escrevesse em vez de contá-los. Assim eu resolveria o problema e ainda teria o ganho de guardar esse registro. Achei a ideia ótima e comecei a fazer isso. Só que não contava com mais esse poder das palavras: quanto mais eu escrevia os sonhos, menos me lembrava deles pela manhã, até que passei um bom tempo sem ter nada para escrever. Resolveu o meu problema, mas tirou da minha vida acordada a riqueza de me lembrar dessa vida paralela que acontece durante o sono. Depois de muito tempo voltei a me lembrar dos sonhos, e a ter a vontade incontrolável de contá-los ao meu marido. Então eu tento contar só um pedacinho, um fragmento que eu ache mais interessante, e isso já satisfaz a minha compulsão, sem sacrificar tanto quem me ouve. Escrever este post não destruiu a minha capacidade de me lembrar dos sonhos, parece que só funciona se eu escrever sonhos específicos. Que bom! Eu gosto dessa vida alternativa em que tudo é possível.