sábado, 14 de janeiro de 2023

 Um desafio para chamar de meu 

Ilustração de Richard Scarry

Na primeira semana de 2023, o jornal New York Times publicou um desafio de sete dias para aumentar a felicidade dos seus leitores. A ideia foi incentivar as pessoas a cultivarem a sua rede de relacionamentos, e dessa forma serem mais felizes e até mais saudáveis. Eu aceitei o desafio, e resolvi escrever aqui no blog sobre esse assunto. Assim fica tudo organizado e guardado por um bom tempo, se não for para sempre.

Dia 1 - O questionário

O primeiro desafio foi um questionário, ao qual eu respondi com sinceridade. O resultado surpreendeu-me porque foi que eu sou muito sociável, o que não é exatamente verdade. Acho que foi feito para americanos típicos, e não para mim, uma luso-brasileira de meia idade que luta para manter a família unida.

Dia 2 - O telefonema de oito minutos

O desafio do segundo dia era ligar para alguém com que não falasse há muito tempo, mas só por oito minutos. Eu lembrei-me logo de ligar para uma amiga querida para quem eu não ligo com mais frequência porque quando nos falamos acabamos demorando demais. Ela aceitou o desafio e eu liguei para ela logo de manhã, e acabamos falando num ritmo ultra-rápido, para usar bem os oito minutos. No fim da tarde não aguentamos e falamos novamente. 

Dia 3 - Puxar assunto com um estranho

Esse desafio acabou tendo um resultado inesperado, porque normalmente é muito fácil para mim conversar com desconhecidos aleatórios. Nesse dia saí para comprar pão e procurar o tal estranho. Conversei um pouco com o dono e um funcionário de uma barraca de plantas, mas não valeu porque eu já os conhecia. Depois tentei ajudar uma velhinha a levar as compras para casa, mas ela não aceitou. Quando eu já estava quase desistindo, um vendedor de doces me abordou. Eu disse que não queria e que que não posso comer doces, mas não adiantou. Acabei tendo a minha conversa, já sei onde o vendedor mora, que tem uma filha de dois anos e meio e que está procurando trabalho. Acabei comprando um pacote de fraldas para a filha dele, então acho que fracassei no desafio, porque fiquei com a impressão de que ele conversou comigo só para conseguir o que queria.

Dia 4 - Escreva uma eulogia para uma pessoa viva

Este foi um dos mais fáceis e talvez o que me trouxe mais alegria. Escrevi (por e-mail) para uma colega de trabalho que acabou de ser demitida. Eu sempre gostei muito dela, e foi um choque saber que  a nossa convivência quase diária ia acabar. Ela até chorou ao receber o meu e-mail.
Nesse dia havia também uma subtarefa: Escrever para o seu "partner" uma lista de coisas pelas quais eu lhe sou grata (e ler a lista para ele). Foi um bom exercício, ele gostou tanto que até pediu para eu lhe mandar a lista por e-mail.

Dia 5 - Faça amigos no trabalho

Eu tenho a felicidade de trabalhar em um ambiente ótimo, onde me sinto muito querida. Mas esse desafio me faz pensar se essas amizades serão duradouras. E comecei a pensar se alguma amizade dos meus empregos passados ficou até hoje. Algumas pessoas de quem eu era próxima no passado mudaram de cidade e até de país... eu resolvi então ligar ou fazer contato por Whatsapp com algumas delas, e todas as minhas tentativas foram bem recebidas.

Dia 6 - Ponha um evento social no calendário (e vá)

Nesta época, logo a seguir às festas de fim de ano, e com muita gente de férias, esta tarefa pareceu-me dificílima. Depois de muito pensar, tentei e consegui marcar uma teleconferência com a minha antiga turma da faculdade! Missão cumprida!

Dia 7 - Três coisas para lembrar e ficar feliz o ano todo

Essa semana realmente trouxe-me muita felicidade que espero que perdure. Fiz minhas listas seguindo as recomendações do desafio, mas isso fica para outro post! As três recomendações foram essas:

1. Defina metas de relacionamento específicas para o ano (fiz uma listinha num caderno de papel)

2. Comprometa-se com a consistência (não adianta ser a mulher mais sociável do mundo na primeira semana do ano e enclausurar-me logo a seguir)

3. O segredo é o ritual (criar coisas como "o café das terças", "o almoço das amigas", etc.)

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Em Busca do Livro Perdido

Old lady reading a book: Ilustração criada usando o MidJourney

Recentemente encontrei uma lista dos livros mais influentes do século XX preparada pelo jornal francês "Le Monde". Achei a lista interessante, embora não tenha lido todos, e comecei a pensar nos livros que mais me influenciaram. Segue a minha pequena lista, não só do século XX, sem qualquer ordem nem juízo de valor, de livros que marcaram a minha vida de alguma forma:

A grama está cantando - Doris Lessing

Este livro foi o segundo que li dessa grande escritora, premiada com o Nobel. É a história de uma mulher que deixa uma vida banal no ambiente urbano e acaba assumindo o comando de uma fazenda em plena África. O que me marcou foi a loucura que tomou conta da protagonista ao abraçar uma tarefa difícil demais para a capacidade dela, e que ela nunca desejou. 
P.S.: o primeiro livro que li dela foi "Os gatos em particular", um ótimo livro de memórias.


Viagem ao fim da noite - Louis-Ferdinand Céline

Uma das características do personagem principal desse romance genial mas totalmente negativo e pessimista, o Bardamu, é a sua total incapacidade de aprender inglês apesar de ter vivido bastante tempo nos Estados Unidos. Pouco depois, passei alguns meses na Holanda, e descobri a minha própria incapacidade de aprender holandês. Até hoje só sei duas ou três palavras e lembrei-me bastante como isso mudou a minha auto-imagem. Até então eu achava que tinha muito talento para aprender outras línguas.

Crime e Castigo - Dostoievsky

Este romance é uma obra-prima do meu autor predileto de todos os tempos. Eu fiquei tão impressionada depois de o ler, que me sentia o próprio Raskólnikov, o protagonista atormentado do livro, prestes a ser descoberto e preso pelos seus crimes. 

The poisonwood bible - Barbara Kinsgsolver

É a história de uma família de missionários batistas que se mudam para o antigo Congo Belga, e é contada alternadamente pelos vários membros da família. Fala da dificuldade de adaptação a uma realidade brutal, muito mais dura do que a que eles estavam acostumados. Eu encontrei nesse livro um paralelo entre a minha infância mais ou menos protegida e feliz em Lisboa e a realidade mais dura do Rio de Janeiro.


Contes de la  bécasse - Guy de Maupassant

Não me lembro de todos os contos, devem ser excelentes como tudo o que já li de Guy de Maupassant, mas o conto "No mar" tem uma descrição tão vívida de um marinheiro que tem o braço decepado num acidente com uma corda, que chegou a me embrulhar o estômago. Nunca me esqueci dessa sensação.


Atlas do Universo - Kevin Krisciunas & Bill Yenne

Este livro foi um presente do meu avô, quando eu ainda estava no ensino médio. As fotografias e ilustrações eram belíssimas, mas o que mais me agradou foi o meu avô ter me dado esse presente, nada feminino e nada infantil. Foi um reconhecimento ao meu interesse pelas ciências naturais (acabei me tornando geóloga) e um afago no meu ego. Obrigada, Avô!


A biblioteca de Babel - Jorge Luis Borges

Até hoje paro para pensar nas infinitas possibilidades da biblioteca criada pelo grande escritor argentino. Trata-se de uma biblioteca que contém todos os possíveis livros que podem ser escritos com um determinado número de letras do alfabeto, então contém tudo o que já foi escrito e que um dia será escrito. Todas as verdades possíveis, mas também muitos aglomerados de letras sem sentido. Acho que isso me tocou porque eu era ainda muito jovem, com infinitas possibilidades pela frente.


A derrocada da Baliverna - Dino Buzzati

Este livro também trata de culpa, como Crime e Castigo. Trata de uma travessura inocente que se transforma em tragédia. Quem fez a travessura é culpado ou inocente? Deve entregar-se à polícia e enfrentar as consequências, ou esconder a travessura, já que nunca teve a intenção de causar a tragédia?


Anna Karenina - Tolstoi

A Anna é uma personagem fantástica e a cena do suicídio é memorável, mas o que me marcou mais neste livro foi o personagem secundário Lévine, que é um aristocrata que tenta aplicar técnicas modernas de agricultura na sua fazenda, e nada funciona, em parte pela resistência dos mujiques, em parte porque essas técnicas não se adaptam à realidade da Rússia daquela época.


A consciência de Zeno - Ítalo Svevo

Li este livro na juventude por influência do meu pai, e era um dos favoritos do James Joyce, de quem nós dois éramos fãs. Na juventude a história dos pequenos fracassos do Sr. Zeno não me impressionou, detestei-a e esqueci-me dela. Recentemente dei o livro para ser vendido em um sebo, que o pôs na vitrine. Todas as vezes que eu passava pela loja, via o livro lá e pensava nele, no meu pai, que já tinha morrido, e ficava com vontade de recuperá-lo. Até que um dia não aguentei, entrei e disse que o livro era meu e que o queria de volta. O vendedor espantado não se opôs, até porque o livro tinha uma dedicatória do meu pai para mim, e o meu nome não é nada comum no Brasil. Então eu reli "A consciência de Zeno" já numa fase mais madura da vida, e reconheci o valor desse grande romance.