domingo, 13 de setembro de 2009

Guisado Particularíssimo

Esta receita é do livro "O Cozinheiro dos Cozinheiros", de 1780, edição de 1905:

Recheie-se uma boa azeitona com alcaparras e anchovas picadas, deite-se em adubo de azeite e meta-se dentro de um papafigo ou de qualquer outro passarinho, cuja delicadeza seja conhecida, e este ambeba-se n'outro pássaro maior, v.g. num cencramo. Tome-se logo uma cotovia, à qual se tirarão os pés e a cabeça, para servirem de coberta aos outros pássaros. Envolva-se a cotovia numa lasca de toucinho delgadíssima e meta-se dentro de um tordo vazio do mesmo modo. Este entre no ventre de um pardal, este numa codorniz, esta numa ave fria, esta num perdigão, este numa galinhola, esta numa cerceta, a qual entrará numa pintada, esta num pato, este num faisão, o qual se cobrirá com um ganso; tudo isto entrará num pavão, o qual se cobrirá com uma betarda; e se nela, por acaso, ficar algum vazio, recheie-se com cogumelos, castanhas ou trufas. Meta-se tudo isto numa caçarola de sufifiente capacidade com cebilinhas picadas, cenouras, presunto picado, cravo da Índia, um molho de aipo, pimenta esmagada, algumas lascas de toucinho, espécies e uma ou duas cabeças de alho.
Coza-se este todo a fogo contínuo por espaço de vinte e quatro horas, ou melhor, num forno algum tanto quente, desengordure-se e sirva-se num prato.
Prescindindo de uma complicação como esta, poderá variar-se este guisado infinitamente, segundo os sítios ou estações.

Aparentemente esta forma de rechear um animal com outro era comum em grandes ocasiões. Isabel Allende descreve um porco recheado que foi oferecido pelos eleitores ao seu candidato, no seu romance A Casa dos Espíritos: estava sobre uma grande bandeja de madeira, perfumado e brilhante, com uma salsa no focinho e uma cenoura no rabo, repousando sobre um leito de tomates. Tinha uma enorme costura na barriga e dentro estava recheado de perdizes, que por sua vez estavam recheadas de ameixas.

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